ENEM ou nem isso



Diante do desabafo dessa aluna, uma amiga minha disse que se os alunos do ENEM estavam reclamando, deveriam então ter a oportunidade de fazer provas do CESPE. Bem, eu já passei pelas duas experiências e posso assegurar que a dificuldade do ENEM está igual ou pior, ao menos agora, em 2016. Primeiramente, porque na prova do ENEM também se PERDE pontuação nas questões em que se erra, o que teoricamente seria para minimizar o chute, mas na prática serve para aumentar mais a pressão.

Segundo, porque o TEMPO não é suficiente para a maioria das pessoas (inclusive para quem tem nível superior) resolver as questões com um mínimo de consciência e tranquilidade. Pegue uma prova do ENEM, tente fazer, e você verá. Nas provas do CESPE que eu fiz, ao menos havia tempo suficiente para tentar resolver cada questão...

Do modo como é concebida, o formato da prova OBRIGA a maioria a chutar parte das questões, de forma mais ou menos consciente, em cada caso (exceto meia dúzia de superdotados e preparados especificamente para o exame) . Os exames unificados dos antigos vestibulares, com a mesma quantidade de questões, eram feitos em 04 dias intercalados, enquanto hoje (porque o governo não tem dinheiro para pagar o exame de outra forma) o ENEM é feito em acachapantes dois dias seguidos (180 questões, parte delas bem complexa, e uma redação).

A maior parte das questões é totalmente descontextualizada com o que de fato se estuda no ensino médio (mais ainda no caso do ensino público, pela crise na educação que conhecemos). Parte das questões tem nível de dificuldade acima do que qualquer aluno do ensino médio (e da educação superior também) é capaz de alcançar.

Nesse ano (2016), pela minha análise, se superaram negativamente tanto na descontextualização como no nível de dificuldade de algumas questões. Dizem que foi porque o governo não teve dinheiro para abrir edital para novas questões para o banco do INEP e usou a "raspa do tacho".

Outra amiga reclamou que os alunos não querem estudar e que reclamam se o professor dá algo mais complexo. Em parte é verdade sim. Mas também há muita gente boa querendo aprender no ensino público, só que o sistema está desmantelado, fica difícil para estes... Para o governo é mais fácil simplesmente manter apenas o sistema de cotas e não melhorar de fato nossa educação pública (inclusive porque há interesses privatistas fortes na área atualmente). Na verdade eu sou CONTRA um ensino mais complexo, onde se aprende coisas que nunca, nunquinha, 99% das pessoas vai usar na vida... Mas entendo o desabafo da aluna como uma reclamação sobre o nível atual de ensino da educação pública que não é capaz de preparar para uma prova dessas.

O desinteresse dos alunos acontece por várias razões, algumas justificadas, como a descontextualização do que se aprende com a vida, outras menos justificadas, como o comportamento negligente de alguns, mas são os bons alunos que não têm dinheiro para pagar escola particular ou cursinhos que se dão mal por conta disso.

Enfim, a lógica atual do ENEM não é avaliar, é excluir, porque não há vagas públicas para nem 30% dos alunos que fazem a prova. Lembrando que a originalmente o ENEM era menor e mais simples, destinado basicamente a avaliar a qualidade do ensino médio, mas foram inchando o exame, que hoje serve inclusive para atestar a conclusão do supletivo do Ensino Médio (para os poucos que conseguem passar, nesse caso).

P.S.: Diante desse cenário em nossa educação, nem estranho que alunos queiram protestar ocupando escolas, movimento ao qual tenho certas restrições, mas que também compreendo em parte...